sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Carta de apoio de Leonardo Boff à criação da Casa da América Latina subsede Espírito Santo

"Apoio com entusiasmo a criação da Casa da América Latina no Espírito Santo. Nossos povos tem um passado recente comum: todos fomos colonizados pelos ibéricos. A conquista implicou a dizimação de povos originários, destruição da memória ancestral e a imposição de formas de viver e de organizara vida, alheias às suas tradições. Esse impulso conquistador que vem de fora não cessou.

Nesta nova fase da globalização da Humanidade, os "donos" do poder de decidir sobre os destinos da história querem novamente nos recolonizar. A nós destinam a função de sermos os fornecedores de matérias primas, de alimentos, de minérios e outros produtos naturais como sócios subalternos e agregados ao seu projeto de dominação do mundo. Essa recolonização devemos rejeitá-la veementemente. Queremos fazer a nossa história com autonomia e com uma contribuição própria que queremos oferecer a toda a Humanidade.
Se tivemos um passado comum, poderemos, unidos, ter um futuro comum que está sendo gestado por todas as partes de nosso Continente. Releva assinalar dois fenômenos, portadores deste futuro: a irrupção dos povos originários no cenário político e uma outra forma de organizar a convivência social mediante o "bien vivir". Os povos originários estão refazendo sua base biológica e estão se articulando entre si para reforçar sua causa, resgatar a sabedoria ancestral e viver uma relação para com a Terra, Pacha Mama, não de dominação mas de colaboração, respeito e veneração. Em segundo lugar, podem oferecer um modelo de convivência que carrega uma promessa: a de ser a forma como, mais à frente, toda a Humanidade deverá se organizar. Trata-se do 'bien vivir"(sumak kawsay). É uma forma de organizar toda a sociedade na harmonia com todos os elementos humanos e não humanos, na família, nas comunidades, na sociedade maior e nas relações para com a natureza.

O "bem viver" é um "bem conviver". A economia não é para a acumulação mas para a produção do suficiente e do decente para todos de tal forma que ninguém se sinta excluído. Deste "bem conviver" nasceu uma contribuição original, não existente na experiência da cultura política ocidental: a democracia comunitária. Ela é mais que a democracia representativa e participativa dos grupos organizados. É toda a sociedade que busca a participação para gerar o maior índice de igualdade possível e uma inserção respeitosa na natureza, também vista como portadora de dignidade e de direitos.

 A Casa da América Latina será um lugar onde os valores, a sabedoria ancestral, o "bien vivir" e outras experiências culturais poderão ser conhecidas, aprofundadas e difundidas. É uma semente. Mas como toda semente, ela contém todo o vigor da planta, de seu tronco, de suas flores e de seus frutos. Deus não nos deu plantas. Deu-nos sementes. A Casa da América Latina é esta semente que irá se transformar numa frondosa planta para nos enriquecer a todos com sua sombra, suas flores e seus frutos".

 Leonardo Boff
Da Comissão Internacional da Carta da Terra

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